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Em 1920, Paul Klee contava uma pequena história de um homem num barco em tempos remotos, para explicar o seguinte: os antigos teriam representado esta cena exatamente de acordo com aquilo que podiam ver, isto é, representariam o homem e o barco; já o ‘homem moderno”, ao caminhar ao longo do convés de um vapor, experimenta seu próprio movimento, o movimento do navio, o sentido da corrente de água, o movimento de rotação da terra, sua órbita em torno do Sol, e todas as órbitas das luas e planetas ao seu redor, e, portanto, teria de representar coisas que sabia que eram parte da cena, mas estavam de certa forma fora dela. O pequeno enredo proposto por Klee conduz a pensar sobre a relação entre tecnologia, escala humana e representação. Desde um novo instrumental técnico, a mentalidade científica deslocou as formas tradicionais de conhecimento e representação do real, expondo uma diferença insalvável entre um mundo fenomênico, experimentado pela mediação dos sentidos, e um mundo objetivo, constituído pela razão. Segundo novas condições técnicas da visão, do microscópio eletrônico à fotografia aérea, o cotidiano passa a ser um universo extraordinário. Uma experiência da modernidade como vertigem, na qual o sujeito humano mergulha do infinitamente grande ao infinitamente pequeno, parece hoje acirrada pelo desenvolvimento das tecnologias digitais. As ferramentas zoom in e zoom out do mundo mapeado por satélite de Googlearth atualizam de modo ineludível a questão levantada por Klee. O artigo pretende contribuir para o estudo das relações entre tecnologia, conhecimento e representação. Tem antecedentes em estudos anteriores sobre o problema da escala no projeto arquitetônico, bem como estudos sobre arquitetura, arte e tecnologia na modernidade e seus desdobramentos. A aproximação pretendida é de fundo teórico-crítico; o método utilizado implica colocar em discussão o problema da escala no âmbito dos textos de teoria da arquitetura, visando a atualização desse conceito, no plano teórico, no marco de uma cultura digital. Entre os textos de teoria da arquitetura, é relativamente consensual a noção de escala como organização de um sistema de níveis articulando hierarquicamente os diversos âmbitos da realidade física. Implicitamente, um posicionamento perante o sistema de níveis está na base de toda a teoria e prática do projeto. A dimensão, adverte Gregotti, exerce um certo poder de especificação sobre as operações de modificação, tal como o projeto de arquitetura; a escolha da escala de intervenção implica adotar um ponto de vista determinado, ou uma ótica que secciona, a qual se farão corresponder instrumentos de observação, representação e interpretação, e um conjunto de técnicas disciplinares de leitura e construção. A despeito de que, tecnicamente, a definição da escala possa ser considerada indiferente para o desenho em computador, pretendo discutir como as ferramentas digitais interagem nesse processo de recorte da realidade que a seleção da escala implica, defendendo que, no processo de projeto, o desenho é ao mesmo tempo ferramenta de representação e instrumento de conhecimento da realidade. |